Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui
uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles
físicos ou morais. Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a
sua cara. Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma
provocação,e ela decorará o seu número .Fale do seu olhar, da sua pele,
do seu sorriso, da sua presença de espírito,da sua aura de mistério, de
como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma
cópia da chave de casa. Mas não pense que o jogo está ganho: manter o
cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades
nessa mulher poderosa, absoluta. Diga que ela cozinha melhor que a sua
mãe,que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades,que ela é um
avião no mundo dos negócios.Fale sobre sua competência, seu senso de
oportunidade,seu bom gosto musical.Agora quer ver o mundo cair? Diga que
ela é muito boazinha. Descreva aí uma mulher boazinha. Voz fina, roupas
pastel, calçados rente ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui
para a igreja,cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponível,
serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.Nunca teve um
chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha.
Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha. Fomos boazinhas por
séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos
no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina
era esse frege: bordados, paredes brancas,crucifixo em cima da cama,
tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos
alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas
inquietas. Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas,
profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da
geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa mortal. Pitchulinha é
coisa de retardada. Quem gosta de diminutivos, definha. Ser boazinha não
tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude.Conformam-se com a
coadjuvância. PH neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das
intenções, é o pior dos desaforos. Mulheres bacanas, complicadas,
batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos
hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
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- As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas.
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Marta Medeiros